domingo, 14 de dezembro de 2014

«Cancro com Humor é um projeto pioneiro, revolucionário que enfrenta o cancro com humor e com carisma! Porque é possível ser feliz no caos! »

Neste blogue tenho falado um pouco sobre a minha experiência como doente oncológico! Tenho falado da forma como reajo, como os outros nos vêem e assim. Quem priva comigo, sabe como tenho lidado com o cancro, como gracejo e brinco com a situação.
Na passada segunda-feira, dia da Imaculada Conceição, um amigo ofereceu-me um livro chamado “Cancro com Humor” dizendo-me que eu iria gostar muito, pois achava-me muito parecido com a autora.
Cheguei a casa e fui pesquisar o blogue… Mas o que é isto? Estas são as palavras que tantas vezes digo, as coisas que sinto, a minha forma de ver esta doença. Não hesitei e contactei a autora pelo Facebook. Resposta? Não saberia se tinha, mas nada custava tentar… Pouco tempo depois, tive uma resposta: uma resposta aberta, simpática e cheia de humor.
Esta semana foi mais uma semana de tratamento e levei o livro “Cancro com Humor” para ler. Verdade seja dita: bastou uma manhã para o ler. Uma manhã em que pareceu ter ali uma amiga ao lado, que falava comigo de uma forma aberta, sem receios, sem medos. Uma amiga que falava aquilo que eu vivia, partilhando, de uma forma tão boa, a sua experiência. E quando o livro acabou, uma estranha sensação de vazio surgiu.
Não sei se a autora me o permite, mas para mim a Marine é já uma amiga, pois com as suas palavras encheu-me o coração, mesmo quando olhava pela janela e só via o cinzento do céu.
Era minha intenção fazer-vos uma apresentação do livro, uma apresentação da autora (Marine Antunes), mas não consigo: primeiro porque acho que quem ler os seus textos (tanto no blogue como no livro) a ficará a conhecer tão belamente e, em segundo, porque iria tirar toda a beleza de lerem o livro, de espreitarem o blogue e de seguir a página Cancro com Humor no Facebook. Este não é só um projecto para os “Carequinhas Power” mas também para todos os que lidam com os “Carequinhas”!
O cancro não é significado de morte e esta “Ex-carequinha” é exemplo disso! É exemplo de que mesmo no mal as coisas podem ser vistas com outros olhos! Sempre em frente, Marine, força com este teu projecto! Muitos parabéns e, mais uma vez, obrigado!




ATENÇÃO: EU AGRADEÇO DO FUNDO DO CORAÇÃO A TODOS OS QUE ME VISITAM, ME DEIXAM MENSAGENS DE APOIO E TEÊM ESTADO COMIGO NESTA LUTA, QUE ME ILUMINAM OS DIAS! NÃO QUERO NEM NUNCA QUIS DEIXAR NINGUÉM DE LADO! UMA VEZ MAIS, O MEU OBRIGADO A TODOS :)

Ismael Sousa

domingo, 2 de novembro de 2014

Existem, na nossa vida, pequenos gestos, atitudes e/ou palavras que nos marcam: umas vezes de forma positiva, outras de forma menos positiva. Mas a verdade é que ficam gravadas no nosso coração, no nosso sentir.

Há sensivelmente meio ano que comecei esta minha luta contra o cancro. E, inevitavelmente, isso foi motivo de uma grande transformação na minha vida, como já o referi algumas vezes. Momentos de alegria, momentos de maior tristeza, risos ou choros, têm demarcado a minha vida. A vida começou a ser vista de outra maneira, a ser vivida, sentida de forma única. O rever a vida é uma constante, analisamos o passado, o presente e queremos acreditar numa projecção no futuro. Mas a incerteza é maior que as certezas.
Quando comecei os tratamentos, a expectativa era que ao fim de seis ciclos de tratamento, estaria já livre deste fardo. Os planos iam crescendo, as perspectivas aumentando. Mas a vida leva o seu tempo, as expectativas são ou não superadas. E no fim desses seis ciclos tudo voltou a cair por terra. A doença não estava a regredir, os tratamentos tinham que continuar, os planos a desaparecer. Sinceramente, esta terá sido a altura em que me fui mais abaixo. Durante umas semanas não queria falar, não queria existir. Mas a luta tem que continuar, porque numa guerra não se ganham todas as batalhas. Algumas também são derrotas.

Depois de cinco semanas sem tratamento, voltei de novo à carga com um novo plano de tratamentos de quimioterapia. Agora era diferente de tudo o que já tinha realizado. Cinco dias seguidos de tratamento, 24 sob 24 horas de químicos, mais de 120 horas de hospital. Não havia escapatória possível: ou enfrentava ou enfrentava. E nesta impossível hipótese de fuga surgiam dois caminhos: encarar bem os tratamentos ou deixar que eles me derrotassem.
Fui para o hospital, mas achei que isso não devia ser publicitado. Não queria espalhar aos sete ventos que ia, simplesmente… não sei. Talvez aquele medo de me estar a fazer de “doentinho”. Mas a verdade é que se acabou por saber.
Não vos consigo esconder a alegria que senti nestes dias ao ver-me rodeado de amigos que faziam questão de me visitar, de me mimar.
Sei que certas coisas não se agradecem, mas eu sou um eterno “agradecedor”! Por mais longos que os meus dias sejam, ou por mais curtos que eles venham a ser, não poderei esquecer os gestos, palavras, mimos e afins que me fizeram sentir.
Sei que existem nomes que deviam ser mencionados, mas por respeito e por amor não o vou fazer. Simplesmente quero agradecer a todos aqueles que me visitaram, que me telefonaram ou enviaram mensagem; agradecer a todos os que me fizeram, de uma maneira ou de outra, sentir amado. Uma vez mais, o meu mais profundo e sincero obrigado. Não sei como vos agradecer, mas eternamente serei grato. Convosco, a minha luta torna-se mais fácil, convosco eu irei conseguir.


A amizade é algo que torna tudo tão belo, porque há sempre Estórias no meio da História!


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

"Se tenho força, devo-a a Deus!"

Hoje terminei o meu sexto ciclo de tratamento, a vigésima quarta sessão de quimioterapia.
Hoje, no plano inicial, teria terminado os meus tratamentos... Mas nem sempre tudo é como queremos!

No passado sábado, festejámos em São Pedro do Sul, o primeiro aniversário de "Um dia pela vida" da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Pediram-me o meu testemunho.

Hoje as palavras são poucas. Fica o video com as palavras que proferi...



...porque há sempre Estórias no meio da História!

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

"Sei bem o que tens vivido, sei bem porque tens chorado. Eu sei o que tens sofrido, sempre estive a teu lado! Ninguém te ama como Eu. Olha para a cruz é a minha maior prova. Foi por ti, só por ti, porque te amo!"

Quando mais nada nos restar, sobra-nos o silêncio. Não há palavras boas ou más, gestos carinhosos ou brutos. Somente a paz. Somente o encontro com nós próprios.
Bruto, cruel, amargo, pode ser este reencontro. Não nos conhecemos tanto como supômos. Somos seres frágeis ou fortes, sensíveis ou indiferentes ao que nos rodeia. E por vezes somos surpreendidos com aquilo que encontramos.

Como poderei dizer, por palavras, aquilo que sinto? O cair de uma árvore, o soar de um trovão, a onda que rebenta fortemente contra os rochedos. Arrastado, projetado, aniquilado. Sou menos forte que aquilo que pareço, menos corajoso que aquilo que se possa imaginar.

Mas lá no fundo, há força que impele a continuar. Força que nos faz renascer, que esboça um sorriso, faz brilhar os olhos. Quanto ao passado, nada se pode fazer. O futuro, construímo-lo com as ferramentas que temos, com aquilo que somos, verdadeiramente.

Temo o futuro, mas caminho confiante. Já não me incomoda nada, sinto-me indiferente. Aprendi a não me incomodar, a não ligar. Vivo de cabeça erguida, sem medo. Não quero tristezas a meu lado, receios e penas. Somente quero a normalidade. Quero verdade, quero ser como sempre fui.

De hoje em diante, não serei diferente. Mudei em mim aquilo que achei que devia ter mudado, mas nada mais. Há coisas mais fortes do que eu, que por mais que me esforce, não consigo mudar. Sou o que sou. Nem menos, nem mais que os outros. Vivo assim, e se assim tiver que continuar a viver, viverei. Também tenho altos e baixos, também choro e sofro. Mas serei mais forte, sorrirei mesmo que as lágrimas queiram sair.

Estou aqui, no silêncio da solidão, calmo, reconfortante. Medos? Sim, bastantes, mas irei lutar, sorrir. Somente a paz que sinto aqui, somente o gozo que me dá me renovam as forças. É bom parar, sair do ritmo. Deixar tudo e todos para me reencontrar.

Não sou nenhum herói, mais do que os outros. Simplesmente decidi lutar e encarar a doença de frente e lutar. Lutar pela minha vida, por aqueles que me rodeiam. Conheço o meu nada, a minha pequenez. Olho em meu redor e vejo o sofrimento muito maior dos outros. Não só na doença física, mas também na dor psicológica. Pessoas que perderam o sorriso, pessoas que perderam a vontade de viver, as forças para lutar.

Também eu sofro, por vezes, desta dor/doença psicológica. Mas porque hei-de arrastar-me, chorar pelos cantos, deixar-me cair ainda mais no buraco? Que ganho eu? Nada, verdadeiramente nada!

Não, não tenho pena dos outros, mas sim compaixão! Não os olho como coitadinhos, mas com olhos de quem sabe ou tenta perceber a sua dor. Quem conhece as palavras das suas lágrimas? Quem conhece as razões, o desespero? É tão fácil olhar de lado, criticar, passar em falso, mas tão mais difícil ajudar, amar o próximo nas suas dores, no seu sofrimento, na sua infelicidade. Podem ser, somente, coisas banais, superficiais, supérfluas, parvas, mas que causam dor a essa alma. Que custa ouvir, dar uma palavra de conforto? Qual o preço de uma vida?

Olho o mundo em meu redor. Acontecimentos recentes fazem-me reflectir. O que esconde um sorriso? Será ele sinónimo sempre de felicidade? Será ele sempre o equivalente a que tudo está bem? Ou somente uma máscara? Somente porque nos desligamos de nós, para que o outro se concretize? Uma máscara para fazer o dia do outro melhor, a vida dos que nos rodeiam mais bela, esvaziando-nos de nós mesmos?

Não minto: em tudo agradeço a Deus! Agradeço-Lhe a graça de me dar forças diariamente para lutar, a coragem de seguir, o dom da vida! Muito Lhe peço para me perdoar na minha fraqueza, pela minha fragilidade! A Ele dou graças por aqueles que me rodeiam, pelo carinho que me fazem sentir, pelas palavras e gestos, pelo bom e pelo mau. Confio-me a Ele na alegria e tristeza, confio-vos ao Pai dos céus que infinitamente nos ama!

Simplesmente porque há sempre Estórias no meio da História!


sexta-feira, 18 de julho de 2014

"Foi Deus, que deu luz aos olhos, perfumou as rosas, deu ouro ao sol e prata ao luar. Foi Deus, que me pôs no peito, um rosário de penas, que vou desfiando e choro a cantar!"

Hoje acordei estranho. Não sei o que sentia. Somente um enorme vazio, uma tristeza ou melancolia. Não tinha vontade para nada, não me sentia capaz de nada. As paredes de casa pareciam sufocar-me e só sentia necessidade de sair de casa, refugiar-me em algum lado ou simplesmente passear um pouco.

Meti-me no carro com a ideia de estacionar em algum lado, tomar café e deambular pelas ruas desertas ou povoadas. Não interessava, simplesmente precisava de me sentir livre. Mas uma vez mais os planos saíram furados.

Enfiei-me no carro, estacionei e fui tomar café ao local do costume. Enquanto esperava pelo meu café e trocava algumas palavras, chegou uma outra cliente, abeirou-se do balcão, pediu o seu café e o seu bolo. Enquanto ela trocava algumas palavras com a dona do café eu desfolhava o jornal. Desgraças e mais desgraças, pouco ou nada de bom. Contudo não podia evitar ouvir a conversa que se desenrolava ao meu lado. A senhora, conhecida da dona do café, começou a falar da sua falta de crença na sociedade, na podridão da sociedade, no seu processo de descrença em Deus. Referiu, inclusive, que achava que era a palhaça de Deus, que já havia procurado um padre e que o discurso dele não a ajudara.

Quando comecei a ouvir estas coisas, fitei a senhora. Esta, apercebendo-se, perguntou-me se eu a olhava e se eu era padre. Aquela mulher inquietava-me. Não podia permitir que ela saísse dali da mesma maneira que entrara. Subtilmente, respondi-lhe que não, não era padre, mas que tinha estado dez anos no seminário. A resposta foi que eu me tinha apercebido de que era tudo uma ilusão e por isso havia saído. Não, não é verdade, e em poucas palavras expliquei àquela alma as minhas razões. Pedi-lhe perdão e comecei o meu discurso. Tinha de dar àquela mulher uma razão para sorrir, força para continuar a viver. Olhei-a e disse-lhe que tinha um cancro, que todos os dias lutava para estar bem, para sorrir e fazer sorrir aqueles que me rodeiam. Somente Deus me podia dar a força que sinto, e que Ele não nos abandona.

Aqueles pequenos olhos encheram-se de lágrimas. Pediu-me perdão, mas nada havia a perdoar. Eu estava mal, mas aquela simples professora estava bem pior. Pedi-lhe que se sentasse para conversarmos um pouco. Ouvi as inquietações dela, falei das minhas incertezas e certezas. Durante pouco mais de meia hora estivemos ali, a conversar. A mulher com sorriso abatido que entrara há minutos, sorria agora, ainda com algumas lágrimas nos olhos. Não de tristeza, mas por perceber que estava ali alguém que a escutava sem preconceitos.

A sua hora chegou e partiu. Pediu-me dois beijos e o nome. E na sua humildade agradeceu-me. Mas que há a agradecer? Nada! Todo o sentimento com que acordei havia desaparecido. Agora sentia que havia ganho todo o dia. Confidenciei-lhe, antes que saísse pela porta, o estado em que havia acordado de manhã e como me havia apercebido que tinha sido Deus que me inquietava para partir e poder dar algum alento a um irmão, a um desconhecido, mas que não deixava de ser irmão. Agradeci-lhe por ter tornado o meu dia mais belo.

Paguei o café, saí para a rua a sorrir. Fui agradecer a Deus e voltei para casa. Estou a sorrir, pois apercebo-me que há pessoas em pior estado que eu, que não conseguem ter tanta força e que de nada vale andarmos a chorar. Deus deu-nos o bem mais precioso: a vida. E se temos de cá andar, que seja com um sorriso no rosto e fazendo os outros felizes, ajudando-os, amando-os.

Perdoem-me a minha falta de humildade, se assim o acharem, por partilhar isto convosco. Perdoem o meu ego, mas, como sabem, estas palavras servem só para dar força e alento, servem somente para poder mostrar que não devemos centrarmo-nos somente em nós, mas que aquele que está ao nosso lado também sorri, também ama, também chora e também sofre. E se queremos ter alguém a nosso lado nesses momentos, também os outros precisam. E tantas vezes não têm essa possibilidade. Sinto-me afortunado, pois tudo me pode faltar, mas Deus não me abandonará, Ele estará sempre connosco.

Obrigado "meu Senhor e meu Deus"! Obrigado por me fazeres sair de mim, indo ao encontro do irmão. Obrigado, porque há sempre Estórias no meio da História!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

“Não sei, se andei depressa demais; mas sei, que algum sorriso eu perdi. Vou pedir ao tempo, que me dê mais tempo…”

Quase mais um ciclo de tratamentos terminado. O terceiro de seis. Quarta mais um dia de quimio e findo este ciclo. Na sua maioria, daqueles que conseguia sentir, os gânglios desapareceram.

Desta vez, a quimio não me deu muito trabalho. Somente náuseas, indisposição e muito sono. Dois dos três dias de quimio desta semana foram passados a dormir. O terceiro, passado a rir. Passado a rir porque encontrei mais dois cúmplices: a Eliana e o Luís. Dois jovens, que como eu, lutamos contra Hodgkin. Cada um com seu caso, estado, mas a lutar contra o linfoma. E com eles, uma vez mais, brincamos com a doença, rimos como companheiros, criámos animação à nossa maneira.

Agarrados a tubos e saquinhos pretos, fomos conhecendo a história de cada um, as proibições da médica, as reacções aos tratamentos. Também eles lutam contra as incertezas, lutam por ter um sorriso no rosto, agarram-se à vida e não têm medo de falar da doença.

Coincidência ou puro destino, mais provável que tenha sido vontade de Deus, juntámos-nos na mesma sala, onde brincámos com enfermeiros e médicos, que com curiosidade vinham à sala, com aqueles que estavam à nossa volta. Uma trupe boa que ali se juntou, um jardim ou até um piquenique que ali se formou.

Sim, são estes momentos que nos dão força para continuar, mesmo quando nos sentimos de rastos, quando já nada parece fazer sentido.

São momentos assim… Mas também aqueles que passamos com quem amamos, com quem trazemos no coração. E é sempre tão reconfortante estar com essas pessoas, sentirmos-nos acarinhadas, amadas, sem o preconceito do «ai coitadinho».

Sinceramente, quero comigo pessoas que não tenham «pena» de mim, que não me achem um coitadinho. Não tenho medo, nem me incomoda, falar sobre a doença. Mas é-me muito mais importante relacionar-me com quem quer relacionar-se comigo por esta ou por aquela razão, deixando de lado o coitadinho.

Já o disse, e continuarei a dizer que não quero ninguém comigo só por pena; porque um dia deixo de o ser e sou de novo colocado à margem. Entendo, percebo e em muito aceitei os silêncios, mas não tolero que agora volte a ser tudo como antes, somente porque tenho um cancro. Não! Comigo isso não funciona mais. Sou educado, cordial, sem desrespeitar ninguém, mas espero que o façam comigo também.

Aos meus amigos e familiares, a todos os que têm estado junto a mim, sem olhar para mim com «lágrimas nos olhos», o meu muito obrigado. Não imaginam o quão importantes têm sido, a enorme força que me dão para continuar. Aos outros peço desculpa se firo alguma coisa, mas, caso não saibam, eu mudei. Não me nego a conhecer pessoas novas, mas que não seja por misericórdia.
Obrigado, do fundo do coração, porque há sempre Estórias no meio da História!


domingo, 6 de julho de 2014

"Na minha fraqueza, tornas-me forte. Só no Teu Amor me tornas forte, só na Tua Vida, me tornas forte. Na minha fraqueza, fazes de força em mim!"

Há cerca de quatro meses dei entrada no serviço de urgência do Hospital de São Teotónio em Viseu. Depois de me ter queixado à minha médica de família de uns "caroços" que tinha na cara e no pescoço, fui mandado imediatamente para as Urgências.
Depois de uma tarde inteira e metade da noite nas Urgências, de realizar exames e de quase desesperar (se não é que desesperei), fiquei a saber que tinha de ser internado para realizar mais alguns exames.
Três dias internado no setimo andar, sem realizar qualquer tipo de exame, fui mandado para casa, tendo de voltar posteriormente, para realizar uma biópsia. Não posso negar o medo que senti: a minha primeira operação... E eu que gostava tanto dessas coisas...

Depois de realizar a tão bendita biópsia e ainda agarrado à bengala, fui fazer uma PET, que é uma espécie de TAC mas que leva um químico radioactivo para realizar contraste a todo o lugar onde chega o sangue. A primeira coisa que me dizem: o exame tem um tempo de preparação de 3 horas... OMG! A minha paciência tem sido tão pouca e agora ainda ter que estar a levar com soro durante 3 malditas horas! Mudei, literalmente, de cor!
Exames feitos, ter de esperar novamente por resultados.

9 de Maio: ligam-me do hospital a dizer que tenho de repetir a biópsia, porque a primeira deu inconclusiva. Que chatice, ter de voltar para o hospital, ter de ser operado novamente, e custou tanto da última vez... 12 de Maio sou internado, dão-me um comprimido e o que me lembro depois são somente flashes... No dia seguinte dão-me alta e volto para casa por tempo indeterminado.

Eis que chega o dia 20 de Maio e tenho uma consulta de Hematologia às 9:30. Passam das 11:30 quando sou chamado ao gabinete e a médica me diz que não tem nada para me dizer, pois ainda não saíu o resultado da biópsia. Balde de água fria, totalmente. Saio do hospital com a cabeça a ferver, acho inadmissível. Duas horas depois, quando me estou a sentar para almoçar, toca o telemóvel. É do hospital! A médica diz-me que já tem o resultado da biópsia, para lá voltar no dia seguinte. É agora: ou as minhas suspeitas se confirmam ou desaparecem. Duas horas depois, a acabar de chegar à porta de casa, nova chamada do hospital, para lá voltar nesse mesmo dia! Pânico! É hoje, não passa de hoje. Como vou reagir, o que é, a reacção da minha mãe... Tantas questões se colocaram na minha cabeça.

Acabaram-se as esperas! Chego ao hospital, entro no gabinete e a médica diz-me que tenho um linfoma, que vou começar quimio, que me pode cair o cabelo, tudo aquilo que se diz naquela hora! Senti-me a cair num buraco fundíssimo, mas rapidamente tive de sair dele. Não podia permitir que isto me destruísse, que destruísse os meus pais, os meus irmãos, etc. Acho que reagi de uma forma um quanto ou tanto parva. Brinquei com a situação, exigi que não houvesse choros à minha beira, agarrei-me à vida, agarrei-me a Deus!

Quase dois meses depois de ter iniciado a quimio, aqui estou, a relatar como de um momento para o outro descobrimos que temos cancro, como aprendemos a lidar com isso. Não quero ser diferente mas também não escondo que o tenho, que faz parte da minha vida! Relato estes factos, falo de cancro, não para que tenham pena de mim, não para chamar à atenção, mas para que vejam como podemos vencer este mal que de várias formas tem ceifado vidas, como o tenho encarado. Escrevo e partilho na esperança de poder ajudar.

Faço-o porque há sempre Estórias no meio da História!

terça-feira, 1 de julho de 2014

"Tempos difíceis agora vieram, mas o mais importante é que tu não desistes e não podes desistir, nem eu te irei deixar desistir!" (António Sousa)

As homenagens são, a meu ver, a melhor maneira de enaltecer uma pessoa. Por vezes não é preciso muito para homenagear, bastam algumas palavras. E hoje as minhas palavras são de homenagem, são de agradecimento.

É hábito dizer-se que se deve escolher bem os amigos, pois a família, essa, não se escolhe. Mas eu tive a sorte de ter a meu lado um amigo que também é irmão, um irmão que também é amigo.
Se na maioria do tempo andamos às turras, na outra parte andamos aos beijos e abraços. Não escondemos o amor que sentimos um pelo outro, e até conseguimos chocar algumas pessoas. Sofro quando ele não está bem, sei que ele sofre quando eu não estou bem.

Desde o dia 20 de Maio que ele tem estado a meu lado, incessantemente. Apesar de ter sofrido, não esmoreceu, e nunca deixou de estar comigo. Dos muitos pilares que eu tenho, ele tem sido dos fundamentais.

Hoje cumpre duas décadas: está um homem a criança que eu vi crescer.

Obrigado por estares a meu lado, por não me deixares vacilar. Obrigado pelos sorrisos, pelas repreensões. Obrigado por me aturares todo este tempo, por te preocupares comigo. Obrigado por seres a pessoa bela que és, pelo testemunho que dás, pela tua energia, pela tua alegria, pelos teus gestos simples. Obrigado pelo tempo que me dispensas, pela tua companhia e pelo teu companheirismo. Obrigado a Deus por te ter colocado tão junto de mim.

Amo-te do fundo do meu coração, orgulho-me de ti, estás sempre comigo!
Continua a ser a pessoa que és, a seres fiel, a seres testemunha. Continua a espalhar a tua magia, a cativar os que te rodeiam. Em tudo o que me for possível, esforçar-me-ei por te fazer feliz! Continua a ser feliz, muito mereces!

Querido irmão, muitos parabéns! Eu estarei sempre aqui para ti! Amo-te, porque há sempre Estórias no meio da História!


terça-feira, 24 de junho de 2014

"E como está, agora, a sua fé? Mais alta do que nunca!"

Na maioria das vezes que algo nos acontece na vida, e que não é do nosso agrado, culpamos Deus pelo acontecimento! Pressupomos que é um castigo, um "ajuste de contas", e questionamos o porquê de Deus nos fazer atravessar esta ou aquela desventura, este ou aquele sofrimento. Qual o mal que cometemos para tal, quais as razões, o porquê de me acontecer a mim e não a outros que são, pressupomos, piores que nós. Porquê, Deus? Porquê?

Sentimos revolta, deixamos de acreditar naquilo em que tanto acreditámos. Os nossos alicerces tremem e por vezes até desmoronam. Colocamo-nos na defensiva, fechamo-nos para o mundo, para as pessoas. E desmoronamos. Como pode o Deus que proclamam ser bom, fazer-me tal coisa? Como pode o Deus que é amor, permitir que isto me aconteça? Não existe Deus, porque se existisse, isto não acontecia... Mas como pode Deus ser responsabilizado pelo mal que existe no mundo? Como pode o Amor ser questionado, acusado de ser responsável por tal coisa? Não pode, porque não é Ele o causador de nada disto, a não sermos nós, humanidade, que não sabemos usar o livre arbítrio que Ele nos concedeu na Sua enorme bondade e amor.

Aprendi, ao longo destes anos, que Deus é amor, é bondade, é tudo o que há de bom. E não só o aprendi, como o vivi e o senti.
Aprendi que Deus nos criou, nos colocou neste mundo e, porque nos ama, nos deu a chance de escolhermos entre o que é bom e o que é mau, de tomarmos as nossas próprias decisões. E aí eu vejo o Seu enorme amor. Porque amar também é isso: é dar espaço, deixar que cada um faça as suas próprias decisões, e, além de boas ou más, continuar a amá-lo.

Como posso eu, no meio da minha doença, ver Deus? Vejo-O nas pessoas que me tratam, nos outros que estão a fazer tratamento e precisam de uma palavra... Vejo-O no que me rodeia, na natureza que me rodeia, no bom que é acordar cada dia! E que bom que é senti-l'O nestas pequenas coisas...

Mas voltando ao tema inicial: será Deus responsável pelo mal? Não, decididamente não! Ele ama-nos, e em tudo quer se sejamos fortes e superemos as adversidades que nos surgem na vida, quer por opção, quer por causa dos outros. E é d'Ele que me vem a força para sorrir todos os dias, de ter coragem para enfrentar os tratamentos e o pós, de dar força aos outros para que eles não caiam! Sem Deus, não sei onde e como estaria, não conseguiria encontrar um sentido, ter "algo" em que me agarrar. A verdade é que Ele me deu o dom da vida, o maior presente que podemos receber, e eu quero vivê-lo intensamente, sem nunca me esquecer de quem me o deu.

Bem, mas qual o meu objectivo com tudo isto? Principalmente, fazer entender, a quem ler estas frases, de que Deus não é culpado do mal, não é Ele o causador do nosso ou do sofrimento dos outros, mas somente nós que com as nossas acções, propositadas ou não. Não culpemos Deus, mas abramos ainda mais o nosso coração a Ele, deixando que Ele seja o principal alicerce e fonte das nossas forças, da nossa vida.

Tenho começado os textos deste blogue sempre com uma frase inicial, uma chave. E nestas frases finais, queria explicar a de hoje. No dia seguinte a ter recebido a notícia da doença que tenho, tive de ir a Coimbra fazer um exame. Falando com a médica, a mesma questionou-me sobre os meus estudos, no qual, obviamente, referi a minha passagem pelo seminário. Quase no fim da conversa, a médica perguntou-me como estava a minha fé. Não tive medo de lhe dizer que estava no topo, pois Deus não é responsável pela minha doença. Finalizamos a conversa e ela disse-me que eu a tinha feito ganhar o dia. Não disse grande coisa, mas penso que consegui transmitir-lhe um pouco da minha fé... Assim espero.

Findo, deixando um pedido: não culpem quem não tem culpa do mal que acontece. Acreditem que Deus nos pega ao colo neste momento, como relata a pequena história "Pegadas na Areia"! Acreditem, Deus está convosco, e isto não é conversa fiada, pois se abrirem o coração a Deus, senti-lo-ão!

Vivam, porque há sempre Estórias no meio da História!

sábado, 21 de junho de 2014

"Há decisões que tomamos porque nos fazem bem a nós, independentemente da opinião dos outros."

Há cerca de uma semana que decidi rapar totalmente o cabelo. Não, ele ainda não começou a cair totalmente, mas começou! E desde o princípio que eu decidi que não o queria ver cair. Poderia demorar muito até que caísse na totalidade, como poderia demorar pouco. Mas eu decidi não o ver cair. Não consigo prever o meu estado amanhã, daqui a duas semanas, ou um mês. Não sei como estarei fisicamente, mas mais importante, psicologicamente. E, mais importante, era o choque que isso poderia provocar em mim. E choques já tive que chegue neste último mês.

Contudo, não consigo deixar de me aperceber do choque que esta decisão tem provocado nas pessoas com quem me tenho cruzado. A primeira reação é de estranheza, o que eu compreendo. A segunda é sempre de que o cabelo já caíu... E imagino o que quererá isso dizer na cabeça das pessoas.

Mas que quero eu dizer com isto?
Bem, há quem tenha coragem para ver o cabelo desaparecer, outras que simplesmente o deixam cair. Sem querer julgar ninguém, acho que este gesto é sempre um passo de coragem, uma melhor forma de enfrentar os efeitos do tratamento. Existem inúmeras pessoas que amam o seu cabelo, nas quais eu me incluía, sem nunca o assumir. O cabelo faz parte da nossa personalidade, faz parte da nossa imagem. Imaginar que podemos ficar sem ele é um pesadelo.
Mas num determinado momento da nossa vida descobrem-nos uma doença, dizem-nos que temos de fazer quimioterapia e que existe a larga possibilidade de nos cair o cabelo. A minha reacção? "Mãe, é desta que eu rapo o cabelo!" O que senti? "O meu cabelo..."
Primeiro decidi que não iria vê-lo cair, e rapei a cabeça. Ver todo aquele cabelo a cair-me pelos ombros, espalhado pelo chão... Pensei que assim não seria tão mau... Mas, e mais uma vez um mas, comecei a dar-me conta de que ele, o cabelo, já me estava a cair. E não era só o cabelo, mas também a barba e outros pêlos... Eu decidi não o ver caír, e agora estou a ver o que não desejava. Já tinha notado que a barba não estava a crescer como normalmente, pêlos caídos onde não devia. Não podia mais continuar assim, tinha de tomar uma atitude. Nem é tarde nem é cedo. As giletes já não servem só para a barba...

Eis-me agora totalmente sem cabelo. Que diferença. Mas mais um sinal de doença. É inevitável. Ainda não o havia rapado totalmente e já me questionavam o porquê. Mas foi uma decisão!

Agora habituei-me e nem vou negar que até gosto de me ver assim. Contudo compreendo o quão difícil pode ser. Mas gostaria tanto de que as pessoas me olhassem, bem como às outras inúmeras pessoas, sem aquele sentimento de pena que lhes é tão visível nos olhos, nas reacções. Não mordemos, não transmitimos nada de mau. A nossa doença não se pega, não é transmissível. Somos normais como tantos outros, só que temos uma doença no organismo, e podemos ser carecas durante um tempo. Acreditem quando digo que magoa ver nos olhos dos outros a pena que sentem, o sentimento do "aí coitadinho"! Isso não ajuda, mas disso falarei noutra altura...

Isto, porque há sempre Estórias no meio da História!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

"In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum, et Deus erat Verbum..."
(No principio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus, e Deus era o Verbo... [João 1,1])

"Estórias do Coração" nasce na e da viragem da minha vida, num ponto em que tudo muda.

"Estórias do Coração" é um blogue onde o desabafo, a coragem ou a falta dela serão o pano de fundo, da estória de uma luta diária contra o inimigo de tantas pessoas, na causa de morte de outras tantas, do sofrimento de metade, da vitória de uma maioria assumida e com medo de assumir. Uma luta que nos leva ao fundo de nós próprios, que derrota todos os nossos soldados e nos faz repensar a vida, olhá-la de uma forma tão diferente. Uma luta que arrasa com todos os nossos alicerces, que nos faz questionar, todos os dias, as certezas que tínhamos. É uma prova de fé, uma prova de coragem e amor à vida.

"Estórias do Coração" são pedaços da minha vida, vivências diárias, sofrimentos e angústias, alegrias e júbilos. Não será um mundo ilusório, onde tantas vezes me tentei esconder, com palavras e sonhos. Não! "Estórias do Coração" é a realidade, com que quebrarei as minhas barreiras, tornar-me-ei mais forte e sem medo de dizer o que penso de forma direta e sem rodeios.

"Estórias do Coração" serei eu e as páginas brancas da minha vida. Isto porque há sempre Estórias no meio da História!