sexta-feira, 18 de julho de 2014

"Foi Deus, que deu luz aos olhos, perfumou as rosas, deu ouro ao sol e prata ao luar. Foi Deus, que me pôs no peito, um rosário de penas, que vou desfiando e choro a cantar!"

Hoje acordei estranho. Não sei o que sentia. Somente um enorme vazio, uma tristeza ou melancolia. Não tinha vontade para nada, não me sentia capaz de nada. As paredes de casa pareciam sufocar-me e só sentia necessidade de sair de casa, refugiar-me em algum lado ou simplesmente passear um pouco.

Meti-me no carro com a ideia de estacionar em algum lado, tomar café e deambular pelas ruas desertas ou povoadas. Não interessava, simplesmente precisava de me sentir livre. Mas uma vez mais os planos saíram furados.

Enfiei-me no carro, estacionei e fui tomar café ao local do costume. Enquanto esperava pelo meu café e trocava algumas palavras, chegou uma outra cliente, abeirou-se do balcão, pediu o seu café e o seu bolo. Enquanto ela trocava algumas palavras com a dona do café eu desfolhava o jornal. Desgraças e mais desgraças, pouco ou nada de bom. Contudo não podia evitar ouvir a conversa que se desenrolava ao meu lado. A senhora, conhecida da dona do café, começou a falar da sua falta de crença na sociedade, na podridão da sociedade, no seu processo de descrença em Deus. Referiu, inclusive, que achava que era a palhaça de Deus, que já havia procurado um padre e que o discurso dele não a ajudara.

Quando comecei a ouvir estas coisas, fitei a senhora. Esta, apercebendo-se, perguntou-me se eu a olhava e se eu era padre. Aquela mulher inquietava-me. Não podia permitir que ela saísse dali da mesma maneira que entrara. Subtilmente, respondi-lhe que não, não era padre, mas que tinha estado dez anos no seminário. A resposta foi que eu me tinha apercebido de que era tudo uma ilusão e por isso havia saído. Não, não é verdade, e em poucas palavras expliquei àquela alma as minhas razões. Pedi-lhe perdão e comecei o meu discurso. Tinha de dar àquela mulher uma razão para sorrir, força para continuar a viver. Olhei-a e disse-lhe que tinha um cancro, que todos os dias lutava para estar bem, para sorrir e fazer sorrir aqueles que me rodeiam. Somente Deus me podia dar a força que sinto, e que Ele não nos abandona.

Aqueles pequenos olhos encheram-se de lágrimas. Pediu-me perdão, mas nada havia a perdoar. Eu estava mal, mas aquela simples professora estava bem pior. Pedi-lhe que se sentasse para conversarmos um pouco. Ouvi as inquietações dela, falei das minhas incertezas e certezas. Durante pouco mais de meia hora estivemos ali, a conversar. A mulher com sorriso abatido que entrara há minutos, sorria agora, ainda com algumas lágrimas nos olhos. Não de tristeza, mas por perceber que estava ali alguém que a escutava sem preconceitos.

A sua hora chegou e partiu. Pediu-me dois beijos e o nome. E na sua humildade agradeceu-me. Mas que há a agradecer? Nada! Todo o sentimento com que acordei havia desaparecido. Agora sentia que havia ganho todo o dia. Confidenciei-lhe, antes que saísse pela porta, o estado em que havia acordado de manhã e como me havia apercebido que tinha sido Deus que me inquietava para partir e poder dar algum alento a um irmão, a um desconhecido, mas que não deixava de ser irmão. Agradeci-lhe por ter tornado o meu dia mais belo.

Paguei o café, saí para a rua a sorrir. Fui agradecer a Deus e voltei para casa. Estou a sorrir, pois apercebo-me que há pessoas em pior estado que eu, que não conseguem ter tanta força e que de nada vale andarmos a chorar. Deus deu-nos o bem mais precioso: a vida. E se temos de cá andar, que seja com um sorriso no rosto e fazendo os outros felizes, ajudando-os, amando-os.

Perdoem-me a minha falta de humildade, se assim o acharem, por partilhar isto convosco. Perdoem o meu ego, mas, como sabem, estas palavras servem só para dar força e alento, servem somente para poder mostrar que não devemos centrarmo-nos somente em nós, mas que aquele que está ao nosso lado também sorri, também ama, também chora e também sofre. E se queremos ter alguém a nosso lado nesses momentos, também os outros precisam. E tantas vezes não têm essa possibilidade. Sinto-me afortunado, pois tudo me pode faltar, mas Deus não me abandonará, Ele estará sempre connosco.

Obrigado "meu Senhor e meu Deus"! Obrigado por me fazeres sair de mim, indo ao encontro do irmão. Obrigado, porque há sempre Estórias no meio da História!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

“Não sei, se andei depressa demais; mas sei, que algum sorriso eu perdi. Vou pedir ao tempo, que me dê mais tempo…”

Quase mais um ciclo de tratamentos terminado. O terceiro de seis. Quarta mais um dia de quimio e findo este ciclo. Na sua maioria, daqueles que conseguia sentir, os gânglios desapareceram.

Desta vez, a quimio não me deu muito trabalho. Somente náuseas, indisposição e muito sono. Dois dos três dias de quimio desta semana foram passados a dormir. O terceiro, passado a rir. Passado a rir porque encontrei mais dois cúmplices: a Eliana e o Luís. Dois jovens, que como eu, lutamos contra Hodgkin. Cada um com seu caso, estado, mas a lutar contra o linfoma. E com eles, uma vez mais, brincamos com a doença, rimos como companheiros, criámos animação à nossa maneira.

Agarrados a tubos e saquinhos pretos, fomos conhecendo a história de cada um, as proibições da médica, as reacções aos tratamentos. Também eles lutam contra as incertezas, lutam por ter um sorriso no rosto, agarram-se à vida e não têm medo de falar da doença.

Coincidência ou puro destino, mais provável que tenha sido vontade de Deus, juntámos-nos na mesma sala, onde brincámos com enfermeiros e médicos, que com curiosidade vinham à sala, com aqueles que estavam à nossa volta. Uma trupe boa que ali se juntou, um jardim ou até um piquenique que ali se formou.

Sim, são estes momentos que nos dão força para continuar, mesmo quando nos sentimos de rastos, quando já nada parece fazer sentido.

São momentos assim… Mas também aqueles que passamos com quem amamos, com quem trazemos no coração. E é sempre tão reconfortante estar com essas pessoas, sentirmos-nos acarinhadas, amadas, sem o preconceito do «ai coitadinho».

Sinceramente, quero comigo pessoas que não tenham «pena» de mim, que não me achem um coitadinho. Não tenho medo, nem me incomoda, falar sobre a doença. Mas é-me muito mais importante relacionar-me com quem quer relacionar-se comigo por esta ou por aquela razão, deixando de lado o coitadinho.

Já o disse, e continuarei a dizer que não quero ninguém comigo só por pena; porque um dia deixo de o ser e sou de novo colocado à margem. Entendo, percebo e em muito aceitei os silêncios, mas não tolero que agora volte a ser tudo como antes, somente porque tenho um cancro. Não! Comigo isso não funciona mais. Sou educado, cordial, sem desrespeitar ninguém, mas espero que o façam comigo também.

Aos meus amigos e familiares, a todos os que têm estado junto a mim, sem olhar para mim com «lágrimas nos olhos», o meu muito obrigado. Não imaginam o quão importantes têm sido, a enorme força que me dão para continuar. Aos outros peço desculpa se firo alguma coisa, mas, caso não saibam, eu mudei. Não me nego a conhecer pessoas novas, mas que não seja por misericórdia.
Obrigado, do fundo do coração, porque há sempre Estórias no meio da História!


domingo, 6 de julho de 2014

"Na minha fraqueza, tornas-me forte. Só no Teu Amor me tornas forte, só na Tua Vida, me tornas forte. Na minha fraqueza, fazes de força em mim!"

Há cerca de quatro meses dei entrada no serviço de urgência do Hospital de São Teotónio em Viseu. Depois de me ter queixado à minha médica de família de uns "caroços" que tinha na cara e no pescoço, fui mandado imediatamente para as Urgências.
Depois de uma tarde inteira e metade da noite nas Urgências, de realizar exames e de quase desesperar (se não é que desesperei), fiquei a saber que tinha de ser internado para realizar mais alguns exames.
Três dias internado no setimo andar, sem realizar qualquer tipo de exame, fui mandado para casa, tendo de voltar posteriormente, para realizar uma biópsia. Não posso negar o medo que senti: a minha primeira operação... E eu que gostava tanto dessas coisas...

Depois de realizar a tão bendita biópsia e ainda agarrado à bengala, fui fazer uma PET, que é uma espécie de TAC mas que leva um químico radioactivo para realizar contraste a todo o lugar onde chega o sangue. A primeira coisa que me dizem: o exame tem um tempo de preparação de 3 horas... OMG! A minha paciência tem sido tão pouca e agora ainda ter que estar a levar com soro durante 3 malditas horas! Mudei, literalmente, de cor!
Exames feitos, ter de esperar novamente por resultados.

9 de Maio: ligam-me do hospital a dizer que tenho de repetir a biópsia, porque a primeira deu inconclusiva. Que chatice, ter de voltar para o hospital, ter de ser operado novamente, e custou tanto da última vez... 12 de Maio sou internado, dão-me um comprimido e o que me lembro depois são somente flashes... No dia seguinte dão-me alta e volto para casa por tempo indeterminado.

Eis que chega o dia 20 de Maio e tenho uma consulta de Hematologia às 9:30. Passam das 11:30 quando sou chamado ao gabinete e a médica me diz que não tem nada para me dizer, pois ainda não saíu o resultado da biópsia. Balde de água fria, totalmente. Saio do hospital com a cabeça a ferver, acho inadmissível. Duas horas depois, quando me estou a sentar para almoçar, toca o telemóvel. É do hospital! A médica diz-me que já tem o resultado da biópsia, para lá voltar no dia seguinte. É agora: ou as minhas suspeitas se confirmam ou desaparecem. Duas horas depois, a acabar de chegar à porta de casa, nova chamada do hospital, para lá voltar nesse mesmo dia! Pânico! É hoje, não passa de hoje. Como vou reagir, o que é, a reacção da minha mãe... Tantas questões se colocaram na minha cabeça.

Acabaram-se as esperas! Chego ao hospital, entro no gabinete e a médica diz-me que tenho um linfoma, que vou começar quimio, que me pode cair o cabelo, tudo aquilo que se diz naquela hora! Senti-me a cair num buraco fundíssimo, mas rapidamente tive de sair dele. Não podia permitir que isto me destruísse, que destruísse os meus pais, os meus irmãos, etc. Acho que reagi de uma forma um quanto ou tanto parva. Brinquei com a situação, exigi que não houvesse choros à minha beira, agarrei-me à vida, agarrei-me a Deus!

Quase dois meses depois de ter iniciado a quimio, aqui estou, a relatar como de um momento para o outro descobrimos que temos cancro, como aprendemos a lidar com isso. Não quero ser diferente mas também não escondo que o tenho, que faz parte da minha vida! Relato estes factos, falo de cancro, não para que tenham pena de mim, não para chamar à atenção, mas para que vejam como podemos vencer este mal que de várias formas tem ceifado vidas, como o tenho encarado. Escrevo e partilho na esperança de poder ajudar.

Faço-o porque há sempre Estórias no meio da História!

terça-feira, 1 de julho de 2014

"Tempos difíceis agora vieram, mas o mais importante é que tu não desistes e não podes desistir, nem eu te irei deixar desistir!" (António Sousa)

As homenagens são, a meu ver, a melhor maneira de enaltecer uma pessoa. Por vezes não é preciso muito para homenagear, bastam algumas palavras. E hoje as minhas palavras são de homenagem, são de agradecimento.

É hábito dizer-se que se deve escolher bem os amigos, pois a família, essa, não se escolhe. Mas eu tive a sorte de ter a meu lado um amigo que também é irmão, um irmão que também é amigo.
Se na maioria do tempo andamos às turras, na outra parte andamos aos beijos e abraços. Não escondemos o amor que sentimos um pelo outro, e até conseguimos chocar algumas pessoas. Sofro quando ele não está bem, sei que ele sofre quando eu não estou bem.

Desde o dia 20 de Maio que ele tem estado a meu lado, incessantemente. Apesar de ter sofrido, não esmoreceu, e nunca deixou de estar comigo. Dos muitos pilares que eu tenho, ele tem sido dos fundamentais.

Hoje cumpre duas décadas: está um homem a criança que eu vi crescer.

Obrigado por estares a meu lado, por não me deixares vacilar. Obrigado pelos sorrisos, pelas repreensões. Obrigado por me aturares todo este tempo, por te preocupares comigo. Obrigado por seres a pessoa bela que és, pelo testemunho que dás, pela tua energia, pela tua alegria, pelos teus gestos simples. Obrigado pelo tempo que me dispensas, pela tua companhia e pelo teu companheirismo. Obrigado a Deus por te ter colocado tão junto de mim.

Amo-te do fundo do meu coração, orgulho-me de ti, estás sempre comigo!
Continua a ser a pessoa que és, a seres fiel, a seres testemunha. Continua a espalhar a tua magia, a cativar os que te rodeiam. Em tudo o que me for possível, esforçar-me-ei por te fazer feliz! Continua a ser feliz, muito mereces!

Querido irmão, muitos parabéns! Eu estarei sempre aqui para ti! Amo-te, porque há sempre Estórias no meio da História!