Sentar-me em frente ao computador e escrever nem sempre é
fácil. As palavras têm de fluir, os dedos pressionarem as teclas com rapidez. A
inspiração nem sempre vem, por este ou aquele motivo, e escrever por escrever,
há muito quem escreva.
No passado sábado (seis de fevereiro 2016) fiquei a saber
que um conterrâneo meu se encontrava a fazer um auto-transplante. Já tinha
ouvido falar sobre o seu caso, mas não imaginava que ele já tinha passado pelo
meu blogue, lido alguns dos meus muitos disparates e encontrado conforto neles.
Pediram-me que lhe escrevesse umas palavrinhas. A verdade é que já me tinha
sentado em frente ao computador, mas ainda não havia conseguido escrever nada.
Mas de hoje não podia passar. Por isso, estas palavras são para ti, de quem não
nomearei o nome, mas que saberá que são para ele.
Bem, caro colega/amigo/companheiro/lutador/vencedor, não te
vou contar como foi a minha história do auto-transplante, porque para além de a
já ter relatado mil vezes, quer aqui quer em outras redes sociais, tu também
estás a passar por isso. Mas vou tecer alguns comentários.
Espero que a comida aí seja melhor que aquela a que tive
direito em Coimbra: era sempre igual, sem sal, sabia tudo ao mesmo… Espero
mesmo que a tua seja bem melhor, pois não a dava a comer a ninguém. Ainda estás
fechado do mundo, num quarto onde já conheces todas as paredes, de cor e
salteado, com a mesma vista todos os dias? É bom, não é? Eu amei! Era o meu
mundinho onde ninguém podia entrar. Bem, falando a verdade, foi uma tortura.
Mas já pediste a televisão por cabo? Se não, pede urgentemente, porque os
canais públicos estão pela hora da morte.
E gelados? Têm-te dado gelados? Sabe tão bem… Estás a ver
aquela posta à Mirandesa, que decerto deves gostar, ou aquela feijoada tão boa
que se come cá fora? O gelado representa isso tudo, mas num mundo onde toda a
comidinha é horrível.
Bem, falando de coisas melhores. Como está isso a correr?
Bem, espero que muito bem. As enfermeiras são muito chatas? Faz tudo ao
contrário do que elas te disserem, porque assim mandam-te embora mais rápido!
Ou não!
Ora, já te deves ter perguntado como será a tua vida depois
de saíres de aí. Vou-te dar a escolher: queres a vertente boa ou má? Afinal não
te vou dar a escolher, porque eu só sei ver a parte boa das coisas. Sabias que
vais ter imenso tempo livre? Está aí a chegar a primavera, vais poder
acompanhar o desabrochar da primavera. Espero que já tenhas mandado comprar
vários livros ou revistas, porque vais passar a ler muito e a ouvir muita
música. E tempo com a família? Vais conseguir restabelecer todo o tempo
perdido. Lembras-te quando te diziam que não passavas tempo nenhum com eles?
Agora até se vão fartar de ti e depois vais ter o teu tempinho precioso. E
sabes que mais? Vens um homem novo, com novas células. Não te esqueças de por
inveja aos outros com isso. Filas de supermercado, hospital e afins? Acabaram!
Vais descobrir que a tua melhor amiga vai ser a máscara verde, ou azul, não
importa. Olha, ela vai dar-te free pass em todas as filas. E se as pessoas não
te deixarem passar, aproveitas a fama horrível do coitado. Comigo resultou.
Chegava de máscara e se não me deixavam passar à frente eu dizia sempre: “Desculpe,
mas será que me pode atender o mais rápido possível? É que eu fiz um tratamento
e não posso estar muito exposto a grandes aglomerados de gente.” E passava à
frente… ahahah. Ah sem falar que vais ser o "carequinha" mais cobiçado da nossa cidade!
Bem, brincadeiras à parte. Espero que esteja mesmo tudo a
correr pelo melhor. Esta será a última etapa. Tem fé nisso. Não te deixes ir
abaixo. Vive intensamente todos os momentos que de agora em diante vais ter.
Eles vão mostrar-te como a vida é bela. Sei que vais ter algumas restrições,
mas não te deixes abater por elas. Vê sempre o seu lado positivo, pois vais ser
tão in que não vais ter tempo para coisas más. Se precisares de alguma coisa,
tens muita gente a quem recorrer, e eu serei um desses. Não desanimes por os
dias parecerem longos de mais. Aproveita para fazeres aquelas coisas que há
muito tens adiado. Aproveita os momentos com a família e com os amigos. Se eles
não te compreenderem, manda dois berros para o ar. Eles vão passar a
compreender. Se não, compreende-os tu a eles: eles não sabem o que é ser in,
nem a figura mais importante do mundo, nem o que é ter um dia com 24 horas. Sei
que me vais entender.
Rapagão, isso aí sempre a correr bem. Deste lado estou a
rezar e a torcer por ti! Vem rápido que São Pedro está a bombar, sim? Até um
dia destes companheiro!
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