terça-feira, 3 de março de 2015

This Is The Day! Este é o dia!

São quase sete da manhã, ou já passa ligeiramente. Entrou-me pelo quarto o "ExtraTerreste" das manhãs, todo vestidinho de verde, touca na cabeça, máscara na cara. Sim, "ExtraTerreste"! E os senhores enfermeiros que não me levem a mal, mas se viessem de azul seriam o Monstro das Bolachas... Vocês percebem que a primeira pessoa que queremos ver quando acordamos é tudo menos um ser vindo sabemos lá nós de onde, com máquinas, agulhas e tubos atrás.
É claro: aqui o dorminhoco já estava acordado. A mesma rotina estes últimos dias: acordar pelas seis e tal da manhã, esperar pelo "ET", medir tenções, batimentos cardíacos, febres e afins. Dois dedos de conversa: "Então está nisto há muito tempo?", pergunta o "ET". E eu, que já estou com o cérebro meio acordado, resumo tudo em duas ou três linhas: "Quase um ano. Fiz tratamento no hospital de dia em Viseu, depois em internamento e agora estou aqui." Simples e eficaz, está tudo dito.
Mas hoje o "ET" retorquiu: "É injusto estar aqui com essa idade..." Bem, esta tocou-me no fundo, mas mesmo lá no fundo... Um minuto em silêncio, para reflectir e compreender aquela frase. "Injusto? - respondi - não, não é injusto. Injustiça é ver morrerem inocentes ás mãos do homem, crianças com fome: isso sim, é injusto!" É claro que eu não sou assim tão frio quanto pareceu, e falei num tom carinhoso. E não, não acho que seja injusto. Todos temos provações na vida, e esta é uma das minhas.
Nunca fui muito bom a lidar com elogios. Sempre gostei de fazer as coisas que me propunham, mas sem espaço para agradecimentos públicos e afins. Chamem-lhe o que quiserem: falsidade, falso modesto, o que quiserem, que não quero saber. A minha consciência tranquiliza-me. Mas isto vem a propósito de... Ah, já sei. Estes últimos dias tenho publicado várias fotos, como havia anunciado. Que querem que uma pessoa faça, quando está fechada num quarto, onde só recebe o "ET", com uma janela de acesso ao mundo e outra para a criação, com quatro canais televisivos, que são mais aborrecidos que um livro de Saramago, e alguns livros para ler? Tira fotos e chateia os amigos, normal, não acham? Eu acho que sim!
Prosseguindo: nessas fotos tenho recebido vários comentários, mensagens e palavras de amigos, sempre com uma palavra amiga para dizer, uma palavra de incentivo. É claro que isso preenche o meu ego, claro que sim. Mas, como referi, não sei lidar com isso. Por isso, agradeço e agradeço a Deus, sim, a Deus por me dar tanta força, por não me deixar desistir. Por isso, todo o mérito é d'Ele. E peço desculpa se não respondo, se demoro a responder. Peço desculpa, porque primeiro quero entender, depois reflectir e no fim falar.

Este é o dia: mas que dia? Bem, é o dia que nós quisermos, de o aproveitar da melhor maneira. Este é o dia em que dizemos às pessoas o quanto as amamos; é dia de lhes agradecer; é dia de fazermos sorrir alguém; é dia de rasgar um enorme sorriso. Este é o dia que vivemos. Todos os outros ou são passado ou são incerteza. Este é o dia de darmos rumo à vida, de darmos sentido às palavras e acções. Vá, agora refutareis: sim e por isso mesmo não vou trabalhar, vou passar o dia na cama, blá, blá, blá. NÃO! É dia de irem para o trabalho com um sorriso nos lábios, dar os bons dias às pessoas com quem se cruzam, dar aquele brilho nos olhos de alguém que não está tão bem. É beijar, abraçar aqueles que amamos! É ligar a um velho amigo, mandar uma mensagem. É abrir um álbum de fotografias e recordar, celebrar a vida. É enxugar a lágrima de alguém que sofre, é mostrar-se presente, mesmo com a indiferença.
Eu sei, isto não é muito fácil. Ismael, acorda, isso é utópico... Será? Ou nós é que queremos que assim seja, utópico, para ser sempre desculpa? Deixo a resposta para vocês. E também sei que talvez isto não vos seja tão claro como o é para mim. Mas, neste momento, essas são as minhas prioridades: sorrir e fazer sorrir; ter um brilho nos olhos e deixar os outros com um brilho nos olhos. É sim, também tenho os meus dias maus, aquelas alturas em que não quero nada com o mundo. Por isso, quando desapareço, já sabem.

Bem, já me estou a alargar de mais, o meu almoço já chegou e está a arrefecer e vocês não estão para ler disparates. O que quero dizer eu hoje? Quero dizer-vos que vos amo, cada um como é, que por mais anos que viva não terei como vos agradecer. Não me é justo escrever nomes, mas estes não podem faltar: mãe, pai, mano mais velho, mano mais novo. Obrigado por tudo, obrigado! Obrigado família pelas palavras, acções... Obrigado incondicionais amigos que me mimam, obrigado aos que me dão nas orelhas; obrigado aos que demonstraram serem quem verdadeiramente são e aos que me surpreenderam. Peço desculpa, se sou muito rígido, mas agora que ninguém nos ouve, passei a ser assim.
Bem, xau, beijos, abraços e muitos palhaços. Tenho de ir almoçar que o "ET" já está à coca para me levar o tabuleiro...
E isto tudo porque há Estórias no meio da História!

3 comentários:

  1. Fazes um aluno de científicos que não gosta de ler, querer ler mais com estes textos. Aprender a ser pessoas como tu iria ser um dos capítulos mais dificeis de aprender para a maior parte! És um exemplo a seguir! A tua força mostra a muitos que a vida é para sermos felizes, e podemos aprender muito contigo para o conseguirmos! A tua Estoria é uma grande História:D!

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  2. Boa tarde Ismael,já vi uma pessoa com a mesma coragem que você ...o meu Marido teve a 6 anos uma leucemia aguda ,é verdade verbos em quartos esterilizados que temos que vestir quase como o ,como você o diz ,adoro tudo que li mas vejo que tem fé,não era o meu caso,desejo-lho rápidas melhoras e mais um bocadinho coragem tudo vai dar bem beijinho <3

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  3. Parabéns primo... és um exemplo de coragem e de dedicação.
    Força.. tudo a correr bem ou pelo menos melhor.

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